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Quem a conhece minimamente sabe. Para a curitibana Ju Cassou, fórmulas artificiais para atingir sucesso fácil e passageiro estão aí para serem quebradas. Como bem falou a compositora Joyce, ela soube enfrentar o tal “caminho das pedras” quando decidiu não ser “apenas” uma cantora, mas construir identidade própria aprimorando-se também como instrumentista, compositora e arranjadora. Pianista e clarinetista experiente, Ju Cassou aprendeu a ler notas em uma pauta antes mesmo de ser alfabetizada no colégio. É sério: sua “estreia” musical aconteceu em 1970, aos cinco anos de idade, quando deu início aos seus estudos de piano na Escola de Música Carlos Gomes, na capital paranaense. Só três décadas depois ─ precisamente em 2002 ─ veio o début fonográfico, com o lançamento do CD “Muito Prazer”. O longo período de preparação lhe deu régua e compasso para embarcar no seu novo projeto, um registro ao vivo com releituras acústicas de canções presentes no seu primeiro disco e outras músicas nunca antes perpetuadas na sua voz. Live in Germany foi gravado no pequeno teatro instalado no centro cultural Pasinger Fabrik, em Munique, cidade onde morou entre 2002 e 2006 com o marido, um engenheiro francês apaixonado por jazz.
O primeiro dado que salta aos olhos durante a audição de Live in Germany diz respeito à sonoridade pouco convencional do registro. Em vez de recorrer aos manjados trios de piano-baixo-bateria, a pianista preferiu buscar uma formação inusitada e encarar o desafio de ser acompanhada por percussão e sopros. Os postos foram ocupados pelo carioca Gilson de Assis (percussão) e o gaúcho Marcio Tubino (sax e flautas), ambos residentes na Alemanha. “Esse formato exige muito mais do pianista em termos de solos e harmonizações. E requer que você converse com os outros músicos de maneira mais integrada”, explica. Até a gravação pra valer, este trio atípico foi ganhando intimidade rodando por palcos em diferentes cidades da Alemanha e França. Para chegar ao repertório, a cantora pinçou oito faixas de Muito Prazer, o que corresponde à metade da seleção final das faixas. O restante foi preenchido com criativas releituras para grandes clássicos nacionais, incursões pela música brasileira instrumental e erudita, novos arranjos para temas folclóricos e uma composição própria, feita a partir de poema assinado por Elisa Lucinda.
Depois da introdução com As Ayabás, um ponto de candomblé composto por Caetano e Gil, ela engrena com a contagiante versão de Paz e Arroz, sucesso setentista de Jorge Ben Jor, na época em que o pai do chamado samba-rock ainda assinava Jorge Ben. Há dez anos, o compositor apadrinhou a cantora no elogiado show da dupla no projeto Novo Canto, que buscava revelar novos talentos da MPB e que ocupou o palco do extinto Terraço Rio Sul. Na sequência, outras três faixas tiradas do disco de estreia: Boa Noite, do compositor carioca Paulo Bi, Leso Doido e Mudo, de Moska, e Gente, de Caetano Veloso. Com relação a esta última, gravada pelo compositor baiano no disco Bicho, fica nítida a preocupação da instrumentista em não fazer xerox das versões originais em suas releituras. Apesar das mudanças de arranjo, o resultado não agride a delicadeza meio hippie sugerida por versos como “gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”. Mesmo num standard insistentemente lembrado como Garota de Ipanema, quinta faixa do CD, a cantora consegue se desvencilhar do óbvio. Aqui brilha a pianista Ju Cassou, que assina com categoria o longo improviso da introdução, com direito a citações de O Morro Não Tem Vez e Samba de Uma Nota Só. “A inspiração veio de pequenas peças de Villa-Lobos para o piano, como Na Mão Direita Tem Uma Roseira e Carneirinho, Carneirão”, conta ela.
Congo Trio e Oremã são as duas adaptações feitas para temas folclóricos, de domínio público. A diferença entre elas é que, enquanto a primeira valoriza nossas raízes africanas por meio de uma parede percussiva, a segunda flerta com a tradição musical indígena. “Sou descendente direta de índios, minha avó paterna era Guarany. No Brasil sempre se bebeu muito da fonte afro, mas muito pouco se aproveita da musicalidade nativa”. Oremã mistura essas influências com o jazz e é uma espécie de aperitivo para o próximo projeto da curitibana, que deseja criar uma linguagem pop para a música Guarany. O mestre Hermeto Pascoal é lembrado em duas gravações que revelam o potencial de Ju Cassou como intérprete. Na difícil Bebê, ela mostra a sua notável capacidade de usar a voz como um instrumento ─ talento adquirido depois de treinar os ouvidos com o melhor do jazz americano. Além da facilidade para o scat singing, seu gosto pelo gênero americano também ajudou a dar mais elasticidade à sua voz. Sem apelar para exibicionismos desnecessários, Ju Cassou domina os agudos, mas sabe direitinho como alcançar tons mais graves. É o que ela mostra na ótima interpretação da sinuosa Chorinho pra Ele, uma parceria de Hermeto com Ericson Carvalho que exige bastante dos seus atributos vocais. Aqui ela parece encarnar Ademilde Fonseca, intérprete de dicção impecável que se tornou rainha do choro cantado, por conta da rapidez com que recita a letra sem tropeçar. Com a mesma desenvoltura, ela passeia por outros temas que oferecem “grau de dificuldade” considerável, como O Trenzinho Caipira, clássico do repertório de Villa-Lobos já gravado por Maria Bethânia, e Soréconvosco, feita sobre poema tirado do livro O Sobrevivente, da atriz e poetisa Elisa Lucinda.
Nascido no Acre e radicado em Miami, o compositor Cesar Santana assina duas outras canções de Muito Prazer que mereceram registro ao vivo. Juju e Mesmo Céu têm em comum o saboroso tempero latino de suas melodias ─ sendo que a primeira, forte candidata a ser a música de trabalho, ainda usa o nome artístico da intérprete para fazer referência ao gênero juju music, como ficou conhecido o pop afro-caribenho. Do CD lançado em 2002 ainda restam as regravações da consagrada Expresso 2222, de Gilberto Gil, e da experimental Antropofagia. Assinada por Paulo Bi, o mesmo autor de Boa Noite, Antropofagia homenageia a escritora Gilka Machado (1893-1980), conhecida por seus poemas com forte dose de erotismo. A única faixa tocada por acaso é Uma Festa na Cachoeirinha, antiga peça do repertório pianístico escolhida de forma repentina para o bis. “Eu não tinha preparado nada em especial e acabei lembrando desta música que tocava para o meu pai quando era criança”.
Desbravado o repertório, fica faltando entender como esta talentosa cantora e instrumentista curitibana trilhou o seu “caminho das pedras”. Graduada pela Faculdade de Educação Musical do Paraná, lapidou seus conhecimento teóricos nas aulas de clarineta com o mestre Paulo Moura e de harmonia com o pianista Luiz Eça (1936-1992) ─ que formou ao lado de Bebeto Castilho (flauta e baixo) e Helcio Milito o lendário Tamba Trio. Sua trajetória profissional começou nos grandes grupos vocais cariocas, que viviam seu auge na década de 80. Em 1986, a convite do maestro Marcos Leite (1953-2002), fez parte do naipe de sopranos do Garganta Profunda durante quatro anos. Paralelamente, atuou em outras formações de prestígio na época, como os conjuntos Maite-Tchu e Coral do Rio, criado pela Prefeitura. Ainda antes de pisar no estúdio, a compositora cumpriu turnê de shows na Itália, rodou por palcos cariocas e participou de dublagens de musicais da Disney ─ entre eles está o elogiado trabalho no musical A Bela e A Fera, em que fez a voz falada e cantada da Bela. Em 2002, pouco depois de se casar, partiu com o marido para Munique, onde morou até 2006. De volta ao Brasil, entrega ao público um vasto repertório que consegue agregar diversas facetas musicais, do canto indígena ao jazz. É como ela mesma canta no refrão de Juju: “samba, salsa, mix and roll, o que você pedir eu dou”. Com esse currículo todo alguém duvida?
Gustavo Autran

Official Website: http://jucassou.blogspot.com/

Added by mrandrew2000 on July 13, 2009

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